Convocação

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Há algum tempo (algum mesmo; não tanto, nem tão pouco para que eu não me envergonhe de postar a respeito só agora) tive a honra de participar da feitura de A Última Edição, livro de contos organizado pelo Felipe Rodrigues (que assina só com o sobrenome), com textos dele e de mais uma penca de gente talentosa – Rogerio Brugnera, Sérgio Ferrari, Fernando A. e Lucas Formaglio. À minha atuação como revisora rabiosa, apoiadora & escriba de orelha foi dada a alcunha de “coordenação editorial”. Achei bonito.

Logicamente sou suspeitíssima, mas depois de alguns (muitos) dias laboriosos e noites em claro, finalmente pegar o livro nas mãos e ver o resultado foi incrível. Não só por nós – e aí incluo nossa diagramadora extraordinaire, Kellen Carvalho (vulgo VELHA), que assina o projeto gráfico, e nosso ilustríssimo ilustrador, Vinicius Silva – e por acreditar de verdade que fizemos um bom trabalho. Acima de tudo, foi bacana ver uma publicação 100% independente, reunindo novos ficcionistas, sair do papel (ou ir para; desculpem, não resisti). E este post é uma convocação para que vocês a conheçam também. Venham acabar com “A Última Edição”!

O livro está disponível na loja virtual. O preço? R$ 35, com frete grátis.

Alguns trechos:

“Dizem que as pessoas que param pra fumar sozinhas estão sempre esperando por algo. Eu vejo muitas pessoas esperando por algo nas janelas dos apartamentos, eu vejo as pessoas esperando por algo ao lado das bancas de jornal e ao lado do metrô e, às vezes, até mesmo sentadas no chão, despedaçadas na rua, ansiosas nos quintais, lavando seus carros ou vagando abaixo das marquises do centro.”

(“Filme de Rola”, Rodrigues)

 

Como será sair do banho e se deparar com um buraco enorme no teto e um sujeito de pijamas com a perna quebrada sentado no tapete da sala? Se eu caísse no apartamento do velho escritor, ele também ficaria espantado. Talvez isso fosse bom pra ele, desse-lhe a ideia de voltar a escrever um conto, começar de novo.

(“Delírio de um condômino em férias”, Lucas Formaglio)

 

“O caso é que Vanderlático Galáctico Soares Barbosa carregava nos genes a herança paternal de muito apreço pelas coisas do universo. De longe notavam a peculiaridade espacial de sua pessoa. Numa Canoa Quebrada isolada naturalmente da corrida tecnológica pós-modernista, a maresia ia de encontro ao baixinho sardento, marrento, de cabelo mirrado e óculos foscos”. (“Por causa do mini buraco negro, Lenise virou Linese”, Sérgio Ferrari)

 

“ele ajudou o irmão a arrumar trabalho e que salió de una mierda a caer en otro un poco mejor porque o que o irmão fazia lá era dar a bunda pra americano maricas e comer americano mais maricas mas acontece que com Fidel não existe comunista viado e os viados que ficaram foram sendo perseguidos e foram sendo presos e foram sendo mortos e os que não ficaram se foram”. (“Encontro com Fidel”, Rogerio Brugnera)

 

“Os impulsos de antes, que flertavam com a obsessão do homem pela carnificina – trazendo imagens de montes de corpos amontoados e cidades completamente tomadas pelo fogo, foram aos poucos se transformando pela batida ritmada dos pingos que caíam das folhas às poças d’água”. (“Musas Marcianas Selvagens”, Fernando A.)

 

Sobre a arte

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Poema velho, rabiscado num caderno que achei aqui. Podem me chamar de antiguinha, eu deixo.

Arte, ciência exata
da medida da palavra
do risco na tela
da poesia ordinária

Refúgio dos picaretas
trôpega, mambembe

Governada pela crítica
exposta nua, coitada

em franca decadência
nas Bienais

Olhos tristes para quem contempla
a sua morte

Lenta tal qual a de um cão vadio
Em nome dela
Amarrado num poste

Esmorecem frente às antigas glórias
dos anais da sua História

Arte que se diz arte
impostora!

Irmã gêmea maquiada
vilã de telenovela

Toma o lugar desta outra
recatada e peluda

Que se encolhe de vergonha

Arte, arte, pobre desgraçada
devassada, revirada
estuprada, rebaixada

Todos hoje exibem a sua joia

Arte, arte, dizem por toda a parte
arte maldita, tão transfigurada

Que hoje se aceita
– até mesmo –
que um poema torto
integre a sua classe.

Na dúvida, não use o urinol

Mea culpa

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Por que não fui à manifestação do MPL

Alguns dias são dos “nãos” – do não dito, do não feito, do não vivido. Pelo sim, pelo não, precisava escrever esta crônica. E  não vou ludibriar ninguém: não pude ir à manifestação organizada pelo Movimento Passe Livre nesta última terça-feira, 13 de agosto. E não foi pelo tempo, pelo trabalho, por doença ou contratempo. Foi por puro pânico mesmo.

Pânico daqueles que te faz tremer as pernas, revirar o estômago, gelar as mãos e a espinha. O pânico assume muita formas para muita gente. Multidão, elevador, altura, velocidade, doença. Até, descubro agora, por um artigo da Wikipédia, há quem tema intensamente bonecos – o nome disso é pediofobia.

Mas a minha fobia, para usar o termo correto, assume contornos mais concretos, e o seu perigo é real e iminente, desde muito antes de junho deste ano. A minha fobia ganha forma com cassetete, colete verde, capacete e escudo. Se a indumentária acompanha um cavalo, não consigo respirar.

Explico: há alguns anos, desenvolvi uma paixão irracional e incompreensível até para mim pelo futebol. Não pelo futebol especificamente, mas por ir ao estádio, por pular e entoar todo o cancioneiro gremista – “Somos, somos do Grêmio, e correremos os putos do Inter”, entre outras, permanecem na memória – além de um extenso repertório de palavrões  no meio de toda aquela multidão suada. Era a minha catarse. Então, entre 2006 e 2007, não havia jogo em que eu não estivesse no Estádio Olímpico para ver o Grêmio jogar. Fosse contra o 15 de Novembro de Campo Bom, pelo Campeonato Gaúcho, fosse contra o Boca Juniors em uma final de Libertadores.

Mas uma coisa aconteceu nesta final de Libertadores, em 20 de junho de 2007. E não foi só a goleada vergonhosa que o Grêmio levou do time argentino – três gols na Bombonera, dois em casa, sem marcar um gol sequer. No jogo de volta, como sempre, eu estava lá. Antes de entrar no estádio, como de costume, tomando uma cerveja em um dos bares da volta. Foi ali o meu primeiro contato de verdade com a Policia Militar (no sul se diz Brigada, e também se faz uso dessas maiúsculas duvidosas).

Observei, cercada de amigas – éramos umas dez, aliás, o bar estava cheio de mulher – os brigadianos espancarem meia dúzia no bar da frente. Nenhuma explicação aparente. Não havia briga,  pelo contrário. Tudo estava tranquilo nas imediações. Tranquilo demais, até, para um dia de decisão. Estranhamente tranquilo. Então eles vieram na nossa direção.

“Serão os sinalizadores?”. Ninguém sabia, mas não havia tempo para perguntar. Eles vinham em muitos, uns sete, calculo, brandindo os cassetetes. Algumas correram para se espremer no banheiro minúsculo, um por dois. Empilhadas em volta do vaso sanitário, jogaram na água os artefatos proibidos. Outras ficaram na frente para ajudar a baixar a porta de ferro, ao perceberem que gritar e pedir “parem, por favor” não ia adiantar.  Não havia negociação. Enquanto a porta baixava, eles tentavam pará-la com os cassetetes. No que não conseguiram, começaram a bater para pelo menos forçar uma intimidação.

Saímos de lá acuadas, guiadas por outros torcedores, que nos acompanhavam e indicavam por quais ruas podíamos passar. Algumas estavam fechadas, outras haviam se tornado pequenos cenários de guerra. A tropa de choque vinha à cavalo para cima dos gremistas, precisasse ou não. Houvesse provocação ou não. Fosse justo ou não. Como naquele fatídico 13 de junho deste ano, muito antes de ele acontecer. Em comum entre os dois eventos, talvez só o modus operandi policial de bater antes de perguntar.

Então por isso, dois meses depois de iniciadas as manifestações pela redução da tarifa de ônibus – e pelas mil outras causas defendidas pela multidão sem liderança,  que exigia da redução inicial ao impeachment da presidenta, em uma demonstração exemplar de desorientação política – não pude ir ao protesto.

Naqueles dias, acompanhei tudo do sofá, como reza a cartilha do covarde, com um olho na lente do comandante Hamilton – ora lenta, ora nervosa – e suas distorções, e o outro nos relatos de amigos que respiravam gás lacrimogêneo e desviavam de balas de borracha. Se não fui, não foi pelos vinte centavos, não foi por concluir depois, do sofá mesmo, que os protestos haviam assumido um aspecto guarda-chuva, mãe de todos, abrigando uma enorme massa de manobra potencial. Foi porque há muito percebi que nada é como parece ou como devia ser. E que a policia não está aí para te defender.

Sim, esta é uma respostagem. O texto foi originalmente publicado no blog do curso de Pós-Jornalismo ministrado pelo Ronaldo Bressane na b_arco.

III Ugra Zine Fest

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O calendário virou, eu nunca mais dei as caras por aqui, mas tudo bem. Nem tudo são trevas. Escrevo hoje não para refazer aquela velha promessa de postar mais seguidamente, mas para dar boas notícias sobre outro assunto bafio. Sim, é sobre ela própria, a Velha!

Neste fim de semana, a revista divide uma mesa com a Katita, da Anita Prado, no III Ugra Zine Fest, um puta evento de publicações independentes com música, palestras, oficinas e debates. Entre os destaques, a mostra “Panorama ibero-americano de publicações independentes”, com cerca de 240 títulos recebidos para o 3º Anuário de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas, e a exposição “Futuro Primitivo”, do coletivo português Chili com Carne.

Escrevi especialmente um release pouco suspeito, no qual obviamente omiti que sou parte interessada e que, além de ser amiga da Kellen, pago um descaradíssimo pau para o trabalho dela. Acompanhem:

Sobre a Velha, é preciso alertar o leitor incauto: não se deixe levar pelo título. Cronologicamente, a revista é bastante jovem. A primeira edição fez a sua estreia em agosto de 2011, no balcão da Mercearia São Pedro e nas estantes da HQ Mix. O número dois, que debuta agora nesta terceira edição do Ugra Zine Fest, foi lançado há poucos meses, em dezembro de 2012, na Monkix Livraria. Verdade seja dita, a Velha faz jus ao seu nome é no espírito. Com a fúria de uma velhinha na fila do pão, a personagem de Kellen Carvalho, em uma estranha dicotomia, metralha impiedosamente o gasto que se diz novo. Munida de referências que vão de Sartre a São Paulo – a capital paulista ganha destaque nesta segunda edição – a autora vai na contramão de outras páginas coloridas. Não dá receitas de como emagrecer, subir na carreira ou arranjar um namorado. Pelo contrário: os seus conselhos amorosos são os piores possíveis; os seus editoriais de moda e beleza beiram o desconcertante, na melhor hipótese, quando não o intimidatório. Fazendo uso do humor, essa arma poderosa, calcada na tradição do mais fino escracho, a Velha desconstrói o simulacro que as revistas femininas tentam fazer o seu público engolir há décadas. Porque, parafraseando a própria Kellen, “Jovem é a sua vó!”. Ainda bem.

Então fica o convite: o evento acontece nos próximos dias 6 (sábado) e 7 (domingo), das 10h às 18h, na Gibiteca Henfil do Centro Cultural São Paulo (Rua Vergueiro, 1000). Apareçam.

Teatro rock’n’roll

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Quartos de Hotel: Danielle Cabral, Francisco Eldo Mendes e Katiana Rangel

Confesso que não era muito fã de teatro até pouco tempo, muito menos entendedora. O Hélio Barcellos Jr., figura ativa no cenário teatral portoalegrense, jornalista especializado na área e, por um período, meu editor na editoria de cultura do Jornal do Comércio, ficava possuído com isso. Ele não entendia como eu podia não gostar, e pior, não entender nada sobre teatro. Por essa mesma razão deletei aqui do blog há um tempo um post em que comentava um musical.

Bem, continuo não sendo fã ou entendida no assunto. Mas acho que o Hélio hoje, se estivesse entre nós – tristemente ele nos deixou, em março do ano passado – sentiria um tantinho de orgulho. O teatro vem me conquistando. Tenho visto cada vez mais peças, e o motivo pra isso veio de uma forma bastante inesperada, através da música. Em setembro, a Tetê Martins, escritora e amigona minha e do Hélio, me convidou um dia para ver um show da Saco de Ratos, banda de blues e rock’n’roll do Mário Bortolotto. E eu pirei. Comecei a ler mais e mais textos dele. A ir direto nos shows, e a freqüentar a Roosevelt. A pira foi tamanha que até whisky, uma renomada preferência alcoólica do Mário, eu comecei a beber. Enfim, virei fã confessa.

Mas até março desse ano não tinha tido a oportunidade de ver uma peça dele. Felizmente, com a estreia do projeto “Cemitério de Automóveis 30 Anos – Artes do Subterrâneo”, mostra comemorativa do grupo do Mário, pude remediar isso. De lá pra cá já foram encenadas “Medusa de Rayban”, “Diário das Crianças do Velho Quarteirão”, “Leila Baby”, “Música para Ninar Dinossauros” e “Quartos de Hotel”.

Dividida entre Porto Alegre e São Paulo, só pude conferir a primeira e a última. E embora as peças sejam bastante diferentes entre si – “Medusa de Rayban” explora o universo de dois assassinos profissionais, Johnny Walker e Jack Daniels, “Quartos de Hotel” apresenta histórias de diversos personagens ambientadas em, bem, quartos de hotel – nas duas vezes saí do teatro com a mesma sensação. Gosto do teatro do Mário porque é rock’n’roll. Tem a mesma pegada dos contos e das letras dele, da rua, dessa gente que passa as madrugadas no bar, do Bukowski, do Kerouac. Ele mesmo escreveu há pouco no perfil dele no Facebook: “Eu venho brigando com o teatro há mais de 30 anos. Quando eu digo que venho “brigando” é porque é isso mesmo. Eu sempre quis fazer rock and roll. E na época que comecei a fazer teatro, eu achei que podia fazer uma espécie de teatro rock and roll. Só por isso eu comecei a fazer teatro. Por causa do rock and roll. Então de vez em quando eu brigo com o teatro e fico só no rock and roll”.

E então, em função disso, ele passou dois anos sem escrever uma peça. “Quartos de Hotel” é o primeiro texto dele do gênero desde 2010, e o primeiro dos três inéditos que vão ser encenados até o fim da mostra. Na verdade, escrevi tudo isso (pra quem ainda tá lendo) só pra dizer que esse é o último final de semana da peça no Teatro Estação Caneca. E que quem estiver em São Paulo e tiver a oportunidade deve conferir. Mesmo que (a princípio) não goste de teatro.

Sexta, sábado e domingo, às 21h, no Teatro Estação Caneca (Rua Frei Caneca, 384). Esquema “pague o quanto quiser”. “Quartos de Hotel” – Texto e Direção: Mário Bortolotto / Elenco: Carca Rah, Danielle Cabral, Francisco Eldo Mendes, Erika Puga, Walter Figueiredo e Katiana Rangel. Operação Técnica: Marcelo Montenegro.

PS: Amanhã, depois da peça (às 23h30), também tem show da Saco de Ratos no Estação Caneca. Nem preciso dizer que recomendo.

Bocas

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Nem vou fingir que esse poema é novo. Na verdade, deve ter quase uma década. Lembrei dele ontem, selecionando material para o “Poema de Mil Faces”, do Paulo de Toledo, livro coletivo em PDF que está sendo compilado por ele via Facebook*. Tinha me esquecido que gostava tanto dele, um momento de raiva adolescente muito bem representado pela Natalia Fortes, que o declamava na saída do colégio gritando e chutando árvores. Quase uma performance. Enfim, aqui vai ele antes que a casa pegue pó. Leia-se, até que eu crie ânimo pra cumprir a lista de posts que tenho guardada aqui (e digite o que foi rabiscado em papéis diversos).

Bocas estúpidas riem
Em toda a sua estupidez.
Riem de coisas estúpidas
E como riem!

Os estilhaços pelo pátio
Alma dispersa, desperta
Acerta, talvez.

Um, dois, três alvos
Só mais alguns maços
E algumas colocações.

Sorrisos de ferrugem
De plástico,
Amarelos e putrefatos.
Risos falsos, estupefatos
De verniz e serragem.

* Para quem quiser participar, basta enviar o seu poema para paulodtoledo@uol.com.br, com seu nome, cidade e ano de nascimento.

São Paulo, 11 de Julho

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Às vezes não há mais nada para se fazer. Abro as cortinas, cerveja na mão, deito no chão da sala pra ver começar o show. E ela se mostra pra mim, se exibe, ri, mete o dedo na minha cara. Toda nua, se escancara de pernas abertas. Pudor não consta no seu léxico. Sem curvas, não é uma puta bonita. Reta, de ângulos duros, prédio atrás de prédio, com aquela lua deslocada no céu poluído, sem estrelas, é até grosseira. Mas ainda esnoba, rebola, sabe que é linda assim mesmo, meio torta. Devassa, às vezes me puxa da plateia. Me despe, me violenta, me suga inteira. Até me cuspir, mais amarga e descrente. Murcha e seca, tal como uma uva passa. Mas às vezes ela me embala. Me nina, me põe no colo, me lembra que estou sozinha. E que sozinha, nos braços dela, eu posso tudo. Me lembra que eu não posso ir embora. Não posso deixá-la, de jeito nenhum. Me dá a mão, me puxa, diz “vamos”. E eu vou. De mãos dadas com ela, noite afora. Ela não tira a maquiagem, não abre mão da cinta-liga e do corset. O show não pode acabar. E entre um gole e outro de cerveja, só me resta aplaudir.

HQs, HQs, HQs

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Antes que eu prossiga com a programação (a)normal, não me peçam pra parar. Ok? Ok. Esse fluxo verborrágico criativo não veio do nada. Há dias e dias penso em coisas legais para postar aqui. Há dias e dias tenho visto e lido muita coisa legal, o que ajuda. Enfim.

Na sexta-feira fui com uma amiga ao Dossiê HQ, na Gibiteria. Pra quem não conhece, é uma livraria bacanuda especializada em quadrinhos na Praça Benedito Calixto, em São Paulo. Perdi o papo com os quadrinistas (a saber, Flávio Luiz, Raphael Fernandes e Sam Hart, mediados pelo Will). Quer dizer, só o principal. Quis estourar o limite do cartão na sessão de autógrafos, mas beleza. Voltei a entrar em contato com quadrinhos independentes, que praticamente tinham sumido do meu universo desde que a Mundo Arte Global, produtora de arte de Porto Alegre, fechou as portas da sua sede na Protásio Alves.

Eu amava aquele lugar. Além das exposições e oficinas massa que rolavam lá, tinha uma loja no andar de cima. Os títulos eram poucos, ficavam num cantinho junto com as latas de spray, mas foi lá que eu conheci a Tarja Preta. Foi meu primeiro contato, de verdade, com quadrinhos independentes. Principalmente, com quadrinhos feitos aqui no Brasil, que não chegam na banca. Eu mal sabia que existia muito além de Marvel/DC. Mas então, a partir daí, o volume de quadrinhos na minha estante só aumentou. Cheguei a me matricular num curso de desenho (lógico que não deu certo). Quando a festa acabou, confesso que fiquei preguiçosa.  Eu realmente não tinha desculpas, depois que me mudei para São Paulo – se acha de tudo nessa cidade, não faltam lançamentos – mas me esqueci das revistas.

Até essa sexta-feira. Saí da Gibiteria com uma sacola cheia. Levei a segunda edição de “Ditadura no Ar“, de Raphael Fernandes e Abel, a primeira edição de “Entre Quadros“, de Mário César, “Todo Mundo é Feliz“, de Mateus Acioli, a segunda edição de “Love Hurts“, de Murilo Martins, a terceira edição do “Almanaque Gótico“, de uma galera, “Felinos“, de Ricardo Vibranovski e Anderson B, e todas as edições do “Benzine“, de Daniel Linhares, que consegui achar (faltou o #1, a distribuição é gratuita). Sábado e domingo foram de cama, obviamente. Deixo um gostinho pra vocês, na ordem:

Ditadura no Ar #2

Entre Quadros #1

Love Hurts #2

Almanaque Gótico #3

Felinos

Benzine #2

PS: Todas as imagens são dos blogs/tumblrs/sites dos autores, com exceção das imagens de “Felinos” e “Love Hurts”, que são do site Impulso HQ.

O filho do homem

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A maioria de vocês sabe que estou escrevendo uma monografia sobre “El Che” Guevara. Como eu sei disso? A maioria que frequenta esse prostíbulo é de amigos meus. Enfim, a monografia não é bem sobre Che. Na verdade analisa se a fotografia mais famosa dele, “Guerrillero Heroico”, clicada por Alberto Korda em 1960, foi esvaziada da sua carga ideológica ao longo de sua trajetória, ao estender seu domínio para além das faixas de protesto para se tornar uma commodity.

O post na verdade não tem nada a ver com isso. Mas acontece que, pesquisando para a monografia, descobri um dado importante, curiosa e felizmente pouco explorado pela mídia e pelos biógrafos de Che. Ele tem um filho ilegítimo, que nem ao menos desconfiava da identidade do pai até os 25 anos de idade. Omar Pérez Lopez descobriu através dos seus amigos do movimento cultural e político cubano Paideia, do qual participava, que era filho do guerrilheiro. Nascido em 1964, Omar foi fruto de um breve caso entre Che e Lilia Rosa López. De acordo com o livro “Che’s Afterlife”, de Michael Casey, os dois se conheceram casualmente quando ela, então uma jovem estudante de jornalismo, visitava uma amiga, Ida Pérez, que trabalhava no Instituto Cubano do Petróleo. Ministro da Indústria, Che estava no local a trabalho. Surpreendeu-se com o livro nas mãos de Ida, “The Technique of Coup d’État”, de Curzio Malaparte, provavelmente porque Malaparte era, nas palavras de Casey, um fascista renascido comunista. Prometeu levar outro livro a ela, e aí começou o caso com Lilia. E embora Aleida Guevara, filha legítima de Che com a sua última esposa, Aleida March, e porta-voz da família não reconheça, a semelhança de Omar com Che é inegável.

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Omar Pérez López, Havana, 2007

Voltando um pouco no texto, disse antes que felizmente o filho ilegítimo é pouco lembrado. Pelos detratores de Che, ele é mencionado apenas para fazer referência ao período que passou em um dos campos de trabalhos forçados idealizados pelo pai, por sua liderança rebelde frente ao Paideia. Nas biografias sobre o guerrilheiro, é comum que os autores lhe dediquem poucas ou nenhuma linha. Ainda bem.

Como poeta, Omar poderia facilmente ser ofuscado pelo fantasma do pai. Ser o poeta-que-é-filho-de-Che-Guevara. E ele é um poeta fantástico. A desvantagem, claro, está no fato de que por isso mesmo ele é muito pouco conhecido. Deixo com vocês “Sangre de Alumnos”, que me levou ao seu primeiro livro, “Algo de Lo Sagrado”.

Todos necesitamos de un padre
aunque sea uno macilento.
En el momento en que la fusilería
pasa a ser la estrella de una función interminable,
el joven pide a su creador una palabra
que le ayude a no traspasar cegado por el humo
el acre que lo separa del carnicero.
Al niño después de mostrarle el uso de las manos
se le enseña que nada puede serle más dañino
que la cercanía de un maestro preciosista,
somos alumnos incapaces de distinguir un latido de otro
apenas conocemos el peso que se afianza entre las pulsaciones.
El padre es la garantía de un seguro en el arma,
nada como eso puede conservarnos
el centímetro cuadrado de piel de arcángel en el torso.
Todos necesitamos de un padre
aunque su brazo se agote en el cabo del hacha”.

PÉREZ LOPEZ, Omar. Algo de Lo Sagrado.

PS: Para quem quiser saber mais sobre o autor, recomendo os artigos “Omar Pérez and the Name of the Father” e “Coño acere, todo se vuelve agua!“, assinados pela sua tradutora para o inglês, Kristin Dykstra, e publicados pela revista Jacket. Aliás, recomendo muito essa revista de modo geral.

Truth at Gunpoint

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Alô, freguesia esparsa. Vejam só que coisa.

Há meses eu não posto nada, e o que venho postar não é novo. Mas acho que ainda é válido. Em janeiro descobri, pelo perfil do Neil Gaiman no Twitter (@neilhimself), o projeto de um poemcast. Uma menina chamada Ayu convocava gente do mundo todo a enviar seus poemas em mp3. Achei a proposta ótima, gravei e editei o que considero o meu melhor poema e… Nada. O projeto não saiu do papel. Não recebi ao menos uma resposta da Ayu. E foi então que decidi postar o áudio aqui. Deu bastante trabalho, e não acho que ele deva ficar pegando mofo no meu HD. Apesar de, claro, achar bastante constrangedor ouvir minha voz gravada. Um poema meu gravado. Tudo o que escrevo é absurdamente pessoal. Publicar é sempre um esforço. Verbalizar, então… Mas enfim, aí está. O nome do poema é Truth at Gunpoint, e foi originalmente publicado no meu DeviantArt.

PS: Não linkei a Ayu porque fiquei puta com essa história. Foi proposital mesmo.